O Projeto de Lei 4/2025, que propõe a maior revisão do Código Civil desde sua entrada em vigor em 2002, traz uma mudança estrutural: a criação de um livro dedicado ao Direito Civil Digital, com cerca de 90 artigos voltados à regulação de relações privadas na era tecnológica. A iniciativa nasceu de comissão de juristas instalada no Senado e tem como objetivo integrar temas antes dispersos,como patrimônio digital, inteligência artificial, proteção de dados, contratos online e neurodireitos,ao corpo central do direito privado.
A atualização ocorre em um cenário em que o Código Civil vigente foi concebido para um país onde menos de 10% da população tinha acesso à internet, e celulares ainda operavam em redes 2G. Duas décadas depois, a vida civil e econômica se tornou profundamente digitalizada, e a legislação não acompanhou esse ritmo.
Durante audiência no Senado, o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, afirmou que a incorporação do Direito Digital ao Código Civil é essencial para garantir “coerência sistemática” às relações privadas contemporâneas. Ele foi um dos integrantes da comissão responsável pelo texto-base, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão.
O que muda na prática
O livro de Direito Civil Digital abrange tópicos como a presença de crianças e adolescentes no ambiente virtual, contratos celebrados digitalmente, tratamento jurídico de bens digitais, responsabilidade por uso de tecnologia e parâmetros para atuação da inteligência artificial.
Entre os pontos mais sensíveis está o capítulo sobre neurodireitos, que trata dados cerebrais como extensão dos direitos da personalidade. A proposta proíbe a transmissão, limitação ou renúncia a esses dados, colocando-os sob máxima proteção jurídica.
Outra inovação é a previsão de herança digital, permitindo que senhas, contas e bens digitais sejam transmitidos aos herdeiros — mas vedando o acesso às mensagens privadas, salvo disposição expressa em testamento.
A proposta também impõe novas obrigações às plataformas digitais para proteção de crianças e adolescentes, incluindo verificação de idade, controle parental e observância do “melhor interesse do menor” em todas as etapas do serviço.
Resistências e críticas
O texto enfrenta oposição de especialistas que veem riscos de insegurança jurídica ao incorporar temas ainda não consolidados na doutrina e na jurisprudência. Críticos afirmam que o Direito Digital, por sua natureza dinâmica, poderia demandar legislação própria e mais flexível, e não uma incorporação direta ao Código Civil.
Apesar das divergências, o PL 4/2025 segue como a proposta mais ampla de modernização do direito privado brasileiro, com impacto direto na vida civil contemporânea e na regulação de novos direitos na era tecnológica.


