Constitucionalistas convergem em um ponto: a Lei de Impeachment, de 1950, precisa ser atualizada para garantir coerência com a ordem constitucional de 1988 e fortalecer a segurança institucional do Supremo Tribunal Federal. A unidade cessa, porém, quando o debate recai sobre a decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes que atribui à Procuradoria-Geral da República a legitimidade exclusiva para apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros da corte.
A medida, que suspende a expressão “a todo cidadão” do artigo 41 da Lei 1.079, ainda será submetida ao Plenário do STF entre os dias 12 e 19 deste mês. Senado e Advocacia Geral da União contestam a interpretação.
Para parte dos especialistas, restringir a legitimidade à PGR enfraquece o caráter democrático do instituto. Ingrid Dantas, professora da Universidade de Brasília, afirma que a possibilidade de qualquer cidadão acionar o sistema é elemento de responsabilização e transparência: “Não é razoável retirar do povo a prerrogativa de provocar o processo de impedimento”. Pedro Serrano, da PUC-SP, segue linha semelhante ao defender que a Constituição não impõe tal limitação, embora reconheça que a lei necessita de revisão para se adequar ao texto constitucional.
A advogada Vera Chemim reforça que o modelo atual se alinha ao Estado Democrático de Direito, preservando o acesso direto do cidadão a mecanismos de controle.
Outra corrente, contudo, vê na amplitude da legitimação um risco concreto. Para o constitucionalista Georges Abboud, a realidade política recente,marcada, segundo ele, por impulsos de populismo autoritário,transformou o STF em alvo de ataques. Nesse cenário, a possibilidade de apresentar pedidos de impedimento sem qualquer lastro técnico abre espaço para perseguições e instrumentalização do processo de impeachment.
Apesar da divergência sobre a legitimidade da PGR, há apoio consistente a outros pontos da decisão de Gilmar Mendes. Um deles é a exigência de maioria qualificada de dois terços do Senado tanto para o recebimento quanto para o julgamento de eventual denúncia contra ministro do Supremo, em substituição à maioria simples atualmente prevista. A mudança é vista como mecanismo necessário para afastar oscilações conjunturais e assegurar estabilidade institucional.
Especialistas também consideram acertada a vedação a interpretações que permitam punir ministros pelo mérito de suas decisões. Dispositivos vagos, como os que mencionam desídia ou conduta incompatível com a dignidade do cargo, teriam potencial para transformar o impeachment em instrumento de contestação política do conteúdo jurisdicional. Para Ingrid Dantas, permitir responsabilização com base em conceitos abertos cria risco de captura política e fragiliza a independência judicial.
Mesmo com divergências relevantes, o debate revela um ponto de encontro: a necessidade de atualização da Lei de 1950 para adequá-la ao desenho constitucional contemporâneo e preservar a estabilidade das instituições sob pressão.


